O sistema escravocrata sempre esteve presente na sociedade humana, desde a Grécia antiga ao antigo Egito, incluindo, claro, Roma. Certamente povos de outras culturas anteriores citadas, de nós desconhecidas, tenham também adotado essa forma de força de trabalho.
A maioria da sociedade brasileira, e principalmente a afro-brasileira, desconhece que durante os primeiros 200 anos da escravização de negros no Brasil foram arrastados para este continente leva e leva de negros da nação Bantu oriundos da atual República de Camarões a Angola, Congo, Uganda, Namíbia, Moçambique, Zâmbia, África do Sul, Botswana, Zimbabwe e República Democrática do Congo. Somente nas últimas três décadas do escravismo neste país é que foram arrastados para cá africanos das nações Gege, que hoje habitam a atual Benim e Nagô ou Ioruba, da atual Nigéria. Assim, grande parte da população brasileira tem seu “pé em África”.
A subjugação a que esses povos foram submetidos foi terrível. Deles tiraram quase tudo. Uma única coisa não lhes tirada: a fé em seus deuses, chamados, de acordo com cada nação, Inkices, Bacuros, Voduns, Orixás, entre outras denominações. É essa fé religiosa que manteve viva a cultura do negro africano escravizado e a mantém viva hoje através de seus descendentes. Se os afro-descendentes perderem essa fé, o que lhes sobra será, apenas, os valores herdados dos europeus. A violação cultural em que aqueles grupos de pessoas foram imergidas ainda em África, no Porto de Ajudá (Ayudá) dando voltas na árvore do esquecimento, e depois em terras brasilis deveria apagar todas as suas lembranças culturais e romper todos os laços de ligação com a mãe África. Por mais de um século eles foram chamados apenas “africanos”, pela cultura européia-cristã. O massacre sofrido pelo povo africano não foi somente físico. Foi histórico. Foi cultural. Foi social. Foi econômico. Persiste até os dias de hoje. O escravismo, ao que o africano foi submetido, foi um paco de sangue entre mercadores e compradores, brancos, de escravos, e os reis déspotas africanos que cassavam os seus irmãos negros para abastecer o comércio escravocrata. Nesse período dois nomes se destacam nas duas pontas desse sistema: o baiano Francisco Félix de Souza, conhecido como Chachá, e os reis Adandozam e Guezo, do Daomé.
Segundo dados do IBGE, cerca de 80 milhões pessoas são afro-brasileiras, o que torna o Brasil o segundo maior país negro do mundo. Em pleno inicio do século XXI, ano de 2007, ainda há milhares, talvez milhões de afro-brasileiros que ignoram a identidade cultural e territorial de nossos antepassados. Ainda olham a África como um país-continente; não como continente formado por diversos países politicamente independentes, compostos por diversas etnias. Hoje precisamos de leis para garantir o ensino da História da África em nossas escolas. A grande maioria dos afro-descendentes a desconhecem ou por elas têm interesse. Está aí a Lei 10.639, de 09/01/2003, sancionada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que incluiu o tema História e Cultura Afro-brasileira e Africana no currículo escolar. Parte dessa história foi e é mantida até hoje, graças a alguns babalorixás e iyálorixas que têm a preocupação ensiná-la aos seus descendentes, em seus Terreiros de Candomblé e Umbanda.
Santa Catarina, Estado mais europeu do Brasil não é tão europeu assim. Também tem os seus negros, os seus afro-descendentes, o seu pé na África. Segundo dados recentes do IBGE, são 5% do total da população do Estado, e Criciúma é o município catarinense com a maior concentração de negros. Para este Estado, no período do tráfico negreiro, foram trazidos cerca de 147 africanos de etnia Angola; 322 africanos Benguela; 98 africanos rebolo; 359 africanos congo; 153 mina; 964 guiné; 70 monjolo; 295 cabnda; 20 cassange; 212 moçambique e 35 calabar. Com eles, fizeram a travessia do Atlântico as suas crenças, seus deuses, a sua forma de buscar a religação com o Divino: a sua religiosidade.
A religiosidade africana que hoje se apresenta no Brasil penetrou em todos os seguimentos da sociedade, tendo como seus representantes, negros, índios, mestiços e brancos. Em Santa Catarina, especificamente na Grande Florianópolis, o culto afro-brasileiro, representado somente pelo ritual de Umbanda, era freqüentado geralmente por pessoas negras, de classe média baixa ou pobre que buscavam nos Terreiros de Umbanda ajuda para resolver os diversos problemas que lhes afligiam. Nestes casos, as mães ou pais de santo, ou simplesmente benzedeiras, como também eram denominados desempenhavam nessas comunidades o papel de médico, de psicólogo, de juiz, e sacerdote, tratando as suas doenças, ouvindo seus desabafos, julgando as suas razões e realizando batizados e casamentos. Os Terreiros muitas vezes serviam de moradia temporária para aqueles que ainda não tinham onde morar. A sincretização entre santos católicos e orixás era tão significativa que alguns Terreiros realizavam novenas ou organizavam outros tipos de festividades em homenagem aos santos católicos. Por exemplo, na Tenda Espírita de Umbanda São Sebastião, no bairro de Coqueiros, em Florianópolis, eram realizadas novenas e barraquinhas típicas, como as da festa do Divino Espírito Santo, no quintal na frente do Terreiro, em homenagem ao Senhor Bom Jesus de Guape. Os festejos de origem católica duravam geralmente três dias. Nesse período, dentro do Terreiro eram realizadas cerimônias de origem africana. Muitos Terreiros de Umbanda não utilizavam atabaques ou quaisquer outros instrumentos para acompanhar os cânticos aos orixás. Os cânticos sagrados, chamados de pontos, eram respeitosamente acompanhados por palmas, pelos filhos de santo (os médiuns) e assistentes (pessoas que freqüentavam os Terreiros para se benzer – tomar passes).
Na Grande Florianópolis, a Umbanda evoluiu em seu ritual. Os Terreiros passaram a bater seus atabaques. No início, houve tentativa da polícia em impedir que esses tambores fossem tocados, mas com o passar do tempo os atabaques foram sendo usados cada vez mais como o principal instrumento musical no acompanhamento dos pontos, seguidos pelas maracas e chocalhos. A polícia, outrora opressora, abrandou as suas ações contra os Terreiros de Umbanda, graças à perseverança das mães e pais de santo e o apoio dos simpatizantes do culto. Essa evolução no ritual de Umbanda, que naquela época não era considerada religião brasileira, teve origem e fortalecimento no candomblé da Bahia e do Rio de Janeiro, através de nomes como Mãe Menininha do Gantois /cantuá/ (Maria Escolástica da Conceição Nazaré), Candomblé de Ketu (nação ioruba) – Bahia; Joãozinho da Goméia (João Alves de Torres Filho), Candomblé de Angola, (nação bantu) – Rio de Janeiro; e táta Tancredo da Silva Pinto, culto Omoloko, de origem africana Lunda-Quiôco (nação bantu) – também no Rio de Janeiro. O ritual de Umbanda cresceu, na Ilha da Magia. Entre o final da década de 60 e início da de 70 surgiu um novo ritual afro-brasileiro, que foi o grande fenômeno da expansão da cultura afro-religiosa na Grande Florianópolis. Esse novo ritual foi trazido do Rio de Janeiro pela iyalorixá Guilhermina Barcelos, conhecida como Mãe ou Vó Ida. O nome desse ritual é Almas e Angola. Gerando polêmica no meio candomblecista, que está começando a se expandir em Florianópolis e suas cidades satélites e, entre o ritual de Umbanda, já existente, o ritual de Almas e Angola é o mais expressivo culto de origem africana em Santa Catarina. Atualmente conta com mais de 70% de adeptos e continua crescendo. Os dois grandes pilares desse culto afro-brasileiro foram Mãe Ida e Pai Evaldo Linhares.
Como no resto do Brasil, na Ilha da Magia a Umbanda prosperou. A palavra Umbanda, que outrora significava apenas um ritual de matriz africana cuja base era formada por caboclos e pretos-velhos, passou a designar, modernamente, o grupo de rituais afro-brasileiro que não estavam vinculados ao Candomblé. Dessa forma ela é usada, modernamente, para dar mais expressão e aglutinação à religiosidade de origem africana que não está diretamente vinculada ao candomblé baiano. Decorrente dessa nova concepção dada a palavra Umbanda temos os termos Umbanda de Almas e Angola; Umbanda de Omoloko; Umbanda Branca; Umbanda de Mesa, etc. Portanto, quando verbalizamos a palavra Umbanda devemos levar em consideração seus dois significados: ora enquanto nomenclatura de ritual; ora enquanto nomenclatura de um grupo religioso. Da mesma forma que a palavra candomblé para ser compreendida em seu sentido maior deve ter acrescida à ela a nação a que pertence esse candomblé: Candomblé de Ketu, Candomblé de Angola, Candomblé de Caboclo.
A palavra umbanda é composta por dois radicais sânscrito: Aum, que significa mistério dos mistérios, palavra sagrada que glorifica a divindade e Bhanda, que significa ligação à vida terrena e sujeição à divindade. É provável que o intercâmbio entre os povos antigos da Índia e do Egito tenha chegado às tribos africanas bantu, criando a palavra mbanda. Esse radical penetrou na língua da tribo Kimbundo, da atual região de Angola, gerando a palavra umbanda, cujo significado é arte de curar, extensiva ao feiticeiro da tribo que praticava essa arte. A união dos radicais Aum e Bhanda, sonoramente gera uma nova palavra: A Umbanda, que significa a união entre o Divino e o Terreno, a ponte entre a Divindade e a Humanidade. No Brasil, a palavra umbanda perdeu o seu significado original: evoluiu de a arte de curar para denominar um dos rituais de matriz africana. Atualmente ela está sofrendo outra evolução, a de denominar a união dos grupos de matriz africana que não estão vinculados ao candomblé baiano.
Olorum/Nzâmbi foi generoso com o planeta Terra. Deu-lhe mares, rios, matas, ar limpo e respirável e terra, para que o homem e os animais o habitassem. A importância da vitalidade da natureza para quem cultua a religião afro-brasileira é fundamental, porque é nela que habita a essência de seus deuses, e são eles que a mantém em equilíbrio. É a essência mística e cósmica de Iemanjá que mantém a vida dos mares; a essência mística e cósmica de Ossanhe e Oxóssi mantém a vida das matas e dos animais que nelas habitam; a essência de Oxum mantém a vida dos rios; a essência de Iansã, Oxumaré e Xangô, mantém o equilíbrio vital da atmosfera, e assim por diante. Fechando o ciclo está Olorum/Nzâmbi e Olodumare equilibrando o eco-sistema universal e cósmico.
Não importa o nome que se dê aos deuses, pois são únicos em sua essência cósmica. Seus diversos nomes são palavras inventadas. Palavras são denominações criadas pelos seres humanos para identificar os seres viventes criados por Deus ou os seres criados pelo homem, estando relacionadas à cultura da sociedade a qual ele faz parte. Assim, Olorum, Nzâmbi, Mawu-Lissa, Nhanderú, Jeová, Tupã, e as outras palavras existentes para identificar Deus são palavras que identificam a única Divindade Cósmica a qual chamamos simplesmente DEUS.
Autor: babalorixá Omobaomi